A Piracema, um período de proteção vital para a reprodução de peixes, está em vigor na bacia do rio São Francisco desde 1º de novembro de 2024 e segue até 28 de fevereiro de 2025. Durante esses meses, a pesca comercial com redes de emalhar está proibida, visando garantir que espécies nativas, como o surubim e o pacamã, possam completar seu ciclo reprodutivo e migrar para desovar sem interferências. Essa medida se faz urgente em meio à grave crise que afeta a biodiversidade da região, ameaçada por décadas de pesca predatória e outros impactos ambientais.
A restrição se aplica a todos os rios, lagos, lagoas e reservatórios da bacia do São Francisco, permitindo apenas a pesca de subsistência. Mesmo assim, há limites rigorosos: cada pescador pode capturar até 5 kg de peixes nativos e um único exemplar de espécies não nativas, como a tilápia. Durante o período da Piracema, a comercialização de peixes está totalmente proibida. Em contrapartida, pescadores que dependem da atividade econômica para sobreviver têm direito ao seguro defeso, um auxílio financeiro concedido durante o período em que ficam impossibilitados de pescar para venda.
Esse tipo de intervenção ocorre há mais de quatro décadas, mas a situação das espécies do rio São Francisco continua crítica. Espécies nativas, como o surubim, que já foi abundante, hoje se encontram em risco de extinção. Em 2022, o Ministério do Meio Ambiente incluiu várias delas na Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção, alertando para a perda alarmante de biodiversidade na região.
A degradação dos ecossistemas aquáticos do São Francisco está diretamente relacionada à pesca excessiva, à poluição e à destruição de habitats naturais. Muitas das espécies de peixes nativos simplesmente desapareceram, a ponto de não serem mais encontradas para estudos científicos. O Museu da Biota do Rio São Francisco, localizado em Paulo Afonso, na Bahia, tem se esforçado para registrar e preservar o conhecimento sobre essas espécies. Até o momento, a instituição catalogou mais de 90 espécies e 433 espécimes de peixes nativos, muitas das quais já não existem mais na natureza.
Segundo o pesquisador Ruy Albuquerque Tenório, do Museu da Biota, o desaparecimento de várias espécies é um reflexo direto das práticas predatórias. Ele ressalta que, embora o museu tenha uma vasta coleção, grande parte dos peixes catalogados hoje só podem ser vistos em registros e não mais em seu habitat natural. “Infelizmente, muitas dessas espécies se tornaram parte da história do rio São Francisco e não mais da sua fauna viva”, lamenta o pesquisador.
A Piracema é, portanto, uma tentativa de frear esse processo devastador e de permitir que o rio São Francisco e seus ecossistemas se recuperem, ao menos parcialmente. Além de reduzir a pressão sobre as populações de peixes, a medida tem o potencial de restaurar o equilíbrio ecológico da bacia. No entanto, especialistas alertam que, sem ações complementares para combater a poluição, recuperar áreas degradadas e conscientizar as comunidades sobre a importância da preservação, os esforços da Piracema podem não ser suficientes para reverter os danos já causados.
A continuidade da Piracema até fevereiro de 2025 é vista como uma ação necessária para proteger o futuro das espécies nativas da região. No entanto, seu sucesso depende também do comprometimento das comunidades locais, pescadores e autoridades ambientais para garantir que as regras sejam cumpridas e que o São Francisco, um dos rios mais importantes do Brasil, possa continuar a sustentar a vida em suas águas.